Por ano, somente no Rio de Janeiro e em São Paulo são gastos R$ 5,2 bilhões com a guerra às drogas. Pelo mesmo motivo o país tem a Polícia que mais mata e a que mais morre, além de fazer com que tenhamos a terceira maior população carcerária do mundo… Tudo isso sem gerar qualquer resultado.

O debate sobre a legalização das drogas é sempre um ponto polêmico. Muitas pessoas confundem legalizar com apoiar o consumo das drogas. Sendo que definitivamente um não está ligado ao outro. Por isso, neste episódio vamos abordar o custo do combate ao tráfico, o quanto isso tem sido pouco ineficiente ao longo da nossa história e como outros países enxergam esta situação e quais caminhos estão adotando.

Portanto, acompanhe os dados apresentados aqui sobre a Guerra às drogas.

A história das drogas

O uso de substâncias entorpecentes é antigo. O ópio teria sido a primeira droga ilícita, seguida da maconha, que estima-se que foi utilizada entre os séculos VIII e VI a.C., embora exista uma discussão se a origem é da África ou da Ásia. No Brasil, o primeiro registro sobre o uso da maconha data de 1564

Já a proibição de forma mais clara só vem a ocorrer no início do século XX. Em 1909, a Liga das Nações, que foi o embrião da atual ONU, convocou uma reunião para discutir sobre o ópio. Desde o começo ficou claro que o debate sobre a proibição do uso e do comércio de drogas se dava devido ao caráter sócio-econômico mais do que de qualquer outro fator. 

Os Estados Unidos eram um dos principais interessados nesta proibição que afetaria a Inglaterra, um dos principais concorrentes no continente asiático. Com a grande possibilidade da decisão, os ingleses então condicionaram esta proibição à de outras drogas, como heroína e cocaína, que afetariam outras potências, como Alemanha, Holanda e França, dando início assim a um controle internacional das drogas

Nos Estados Unidos, inclusive, havia uma forte campanha de estigmatizar e desvalorizar pessoas que utilizavam qualquer tipo de droga.  

O Brasil seguiu essa ideia, principalmente a respeito da maconha, que aqui era tida como “coisa de negro”, pois era utilizada em terreiros de candomblé e por escravizados. Na Europa, a droga era associada a imigrantes árabes e indianos. Enquanto nos Estados Unidos a maconha foi associada à vagabundagem e mendicância e ligada aos mexicanos. Isso porque entre 1915 e 1930, cerca de meio milhão de mexicanos atravessaram a fronteira e muitos tinham o hábito de usar a maconha. Como muitos não tinham trabalho, o governo teve facilidade para fazer a associação.  

O ponto é que em boa parte do Ocidente, a maconha surgiu relegada a classes marginalizadas. E como não se podia punir só por ser pobre ou preto ou árabe ou mexicano, o Estado então utilizava do combate às drogas como uma forma de controle social das minorias

Algo que ocorre até hoje e isso fica nítido na diferença de comportamento do Estado e da Polícia, que ataca os bailes funks, mas nunca bota os pés em uma rave

Custo da Lei de Drogas

Acontece que essa guerra às drogas tem um custo — e muito elevado. Segundo relatório “Um tiro no pé: impactos da proibição das drogas no orçamento do sistema de Justiça criminal do Rio de Janeiro e São Paulo”, divulgado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), o custo estimado da aplicação da Lei de Drogas somente nestes dois estados é de R$ 5,2 bilhões por ano

Somente a Polícia Militar tem um custo de R$ 1 bilhão com as operações contra as drogas, enquanto o sistema penitenciário gasta R$ 2 bilhões por ano. Lembrando que isso somente no Rio de Janeiro e São Paulo. 

Dinheiro

Só para você ter uma ideia, somente com R$ 1 bilhão desses dava para:

  • Custear a educação para 252 mil alunos do ensino médio;
  • Bancar a educação universitária de mais de 32 mil alunos na UERJ;
  • Construir 81 UPAS;
  • Garantir o aluguel social para 156 mil famílias.  

Prisões após a Lei de Drogas

Além do custo desta guerra que não funciona, o que se vê é um alto volume de prisões e que também não resolve. O país hoje tem 812 mil presos, o que significa a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. Desses, 20,28% estão presos por causa das drogas.  

Atualmente, 30% dos homens e 59% das mulheres que são presos são por crimes relacionados às drogas. Um número que cresceu após a Lei de Drogas, que endureceu as penas para traficantes, porém não estipulou critérios para definir quem é traficante e quem é usuário, deixando a cargo do judiciário decidir.  

Polícia x Drogas

Só que este cenário ainda custa vidas. A polícia matou 6 mil pessoas em 2018 nesta Guerra às Drogas. Por outro lado, morreram 500 policiais. Por isso, você já deve ter escutado que a polícia brasileira é a que mais mata e a que mais morre. A grande maioria dessas mortes ocorrem exatamente em operações, que supostamente são consideradas contra o tráfico

No entanto, quais foram os lugares que esta guerra trouxe resultado? Qual território foi tomado dos traficantes? Nem mesmo quando o Rio de Janeiro, por exemplo, implementou o programa das Unidades de Polícia Pacificadora, colocando as UPPs dentro das comunidades, o consumo de drogas diminuiu. Muito pelo contrário. 

Esta guerra contra o tráfico dura décadas, na qual absolutamente ninguém está vencendo, mas muitos estão perdendo. Morrem policiais, morrem bandidos, morrem inocentes no meio deste fogo cruzado.  

Cigarro x Maconha

Um ponto que fica claro é que a proibição não tem surtido efeito — e não é somente aqui. Uma pesquisa em 2001 nos Estados Unidos apontou que 45% dos estudantes afirmaram já terem usado maconha.  

No Brasil, dados do 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas, da Fiocruz (2019), apontaram que 7,7% dos brasileiros entre 12 e 65 anos já usaram maconha, contra 7% no levantamento anterior (2012)

Por outro lado, mesmo sem ser proibido, o tabagismo vem em queda. Segundo dados do Ministério da Saúde, de 2019:

  • 9,3% dos brasileiros fumavam cigarro, enquanto em 2006 esse número era 15,6%.

A legalização das drogas pelo mundo

A ideia de legalização das drogas tem como objetivo o fim dessa guerra às drogas e desse encarceramento em massa. No entanto, não confunda isso com uma liberdade total, e sim com a substituição de um sistema proibicionista por um sistema de controle.  

E certamente vai ter gente que fala que só defende a legalização quem nunca perdeu um parente para as drogas. Porém, o que essas pessoas não percebem é que esse parente foi perdido exatamente dentro de um sistema proibicionista e que, portanto, não funcionou.  

No modelo atual, basicamente o Estado decide jogar o assunto para debaixo do tapete. Com um projeto de legalização com controle, além do tráfico perder força e dinheiro, é possível estruturar meios de conscientização e recuperação da população dependente, inclusive utilizando os impostos recebidos através disso para implementar a política

Como dito anteriormente, não foi necessário proibir o cigarro para fazer com que o consumo diminuísse. Bastaram políticas de conscientização.   

Exemplos internacionais

Pelo mundo, diversos países têm percebido que a liberação controlada e taxada permite:

  • Financiar campanhas para minimizar os efeitos das drogas;
  • Reduzir a superlotação de presídios.

Portugal, por exemplo, legalizou a maconha em 1999. Desde então:

  • Não houve aumento do consumo da droga;
  • Ocorreu redução no uso de heroína e cocaína;
  • A população carcerária por drogas caiu de 75% para 45%.

No Colorado (EUA):

No primeiro ano, o Estado arrecadou US$ 135 milhões com impostos. Após cinco anos de legalização, houve redução do consumo na adolescência; O consumo entre os mais velhos se manteve estável;

Portanto, existem alternativas para este debate, além de uma guerra que não apresenta sinais de que vá gerar resultados positivos.

Um outro componente importante da legalização das drogas é o fim da perseguição a grupos específicos. Hoje, no Brasil:

  • Se você for branco, rico ou filho de desembargadora, poderá ser pego com a quantidade que quiser e nada acontecerá;
  • Se for pobre, preto e morador de favela, não importa a quantidade, a prisão será o destino, como os números mostram.

Sugestões de livros sobre Guerra às drogas:

  1. Guerra às drogas e a manutenção da hierarquia racial – por Daniela Ferrugem https://amzn.to/44UexFI
  2. Guerra às Drogas e o Punitivismo Penal: A Lei de Drogas brasileira e seus mecanismos a favor do Encarceramento em Massa – por Renan Jouberth Almeida Silva https://amzn.to/43f3dmm

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