E repercutiu nas redes sociais em 2022 o desabafo da ex-BBB Juliette sobre terem pedido a ela para neutralizar o sotaque em um teste de dublagem. Mas existe sotaque neutro? Um sotaque mais correto? Existe um português sem sotaque aqui no Brasil? Confira um pouco mais sobre isso nesse episódio.
O pensamento quase comum entre todos os brasileiros é de pensar que não tem sotaque, quem tem sotaque é o outro, e isso vai variar do local onde se está. Porém, é fato que vemos, seja na televisão, no cinema, um jeito de falar predominante. Mas isso significa que seria um jeito de falar sem sotaque, ou seria um chamado sotaque neutro? Definitivamente não.
Questão ideológica e econômica
O que vou falar vale para outros assuntos que já abordei em textos anteriores. Muito do que vemos como comum não se trata de neutralidade ou do jeito certo de falar, mas sim de algo imposto por uma questão ideológica ou econômica. E que se mantém por tanto tempo que as pessoas chegam a acreditar que é realmente uma neutralidade. Mas, novamente, a neutralidade de sotaque não existe. Isso foi algo imposto, e veio justamente com a televisão.
Foi a partir da década de 70 que a Rede Globo decidiu padronizar o sotaque dos jornalistas. Para isso, contratou uma fonoaudióloga para trabalhar com eles. E foi decidido, sem qualquer critério científico ou linguístico, que a pronúncia que deveria prevalecer era uma mistura do sotaque carioca com o paulista, mas com algumas adaptações.
Por exemplo, era necessário reduzir o “chiado” dos S’s e C’s, característico do sotaque carioca, e algumas das peculiaridades do sotaque paulista também foram ajustadas.
Esse padrão se espalhou dos programas jornalísticos para outras produções da televisão e também para outras áreas da comunicação. Mas isso não tem nada a ver com neutralidade ou qualidade, muito pelo contrário. Foi uma imposição carregada por uma crença de superioridade, a ponto de, durante anos, as produções televisivas debocharem dos sotaques de outras regiões.
Todos tem sotaque
Na prática, todos os brasileiros têm sotaque, e nenhum é melhor do que o outro, pois não há sequer um critério para avaliar isso. A língua portuguesa sofreu diversas transformações ao longo do tempo e continua mudando. Primeiramente, os portugueses chegaram ao Brasil em diferentes épocas, logo, não era um idioma uniforme que chegava por aqui.
Depois, o Brasil teve diversas influências do espanhol nas suas fronteiras, do alemão em parte do Rio Grande do Sul, do holandês em áreas de Pernambuco, do italiano na região de São Paulo, entre muitos outros. O principal fator foi o contato linguístico dos portugueses com as línguas indígenas e africanas.
Indígenas brasileiros
É um erro comum tratar todos os indígenas como um único grupo, quando, na verdade, existe uma enorme diversidade entre eles. Hoje, existem 274 línguas indígenas diferentes no Brasil, portanto, imagine a quantidade que existia na formação do país.
O mesmo vale para os africanos. Em 1823, 75% da população brasileira era composta por negros e mestiços, que foram sequestrados da África para serem escravizados aqui. Esses grupos trouxeram variações linguísticas e contribuíram para a formação de sotaques diferentes.
Não estamos falando apenas da forma de pronunciar palavras, mas também da criação de novas palavras. Isso tudo faz parte de um processo contínuo de mudanças, intensificado pelas migrações das áreas rurais para as áreas urbanas ao longo do século 20, o que gerou novas misturas e transformações.
É importante normalizar todos os tipos de sotaques, respeitando-os e dando espaço para sua representação. Não existe sotaque neutro, e nenhum sotaque é superior ao outro.