Eu já fiz aqui um episódio contando sobre a história de Marighella, mas ele me trouxe uma ideia para outro debate, que é sobre ser herói ou bandido aqui no Brasil. Como a construção de narrativas faz com que alguns o vejam como herói e outros como criminoso.
Por outro lado, há uma turma que o enxerga como um bandido, fazendo campanhas totalmente contrárias ao filme e achando um absurdo que alguém o trate como um herói ou ídolo. E o que eu acho curioso é como parece que ninguém percebe que, na verdade, tanto o herói quanto o vilão são conceitos construídos. Ou seja, alguém ou algum grupo vendeu essa ideia para você. E quando falo algum grupo, estou falando, principalmente, de grupos dominantes na sociedade, especialmente com poder econômico.
Por Que o Heroísmo no Brasil É Seletivo?
Prova disso é a falta de negros reconhecidos como heróis no Brasil. Não estou falando daqueles que você teve que correr atrás para aprender sobre eles em determinados grupos ou regiões. Falo daqueles que são amplamente representados e respeitados por todos os cantos.
Quantas vezes você já ouviu falar de um Luiz Gama ou de Francisco José do Nascimento? E mulheres? Quais mulheres são heroínas do Brasil, como Nísia Floresta, Leolinda Daltro ou Laudelina de Campos Melo? Quantas vezes você já ouviu falar desses nomes? Sabe por quê? Porque o heroísmo é atribuído pela classe dominante, que no Brasil é o homem branco, hétero e rico.
A Demonização de Movimentos Populares
Não é à toa que, sempre que se apresenta algum movimento ligado às camadas mais pobres, sejam organizações de trabalhadores sem-terra, sem-teto, revoltas populares ou qualquer outro, os chamam de vagabundos, marginais ou até mesmo terroristas.
E não é à toa que você aprendeu sobre bandeirantes e figuras ligadas à monarquia como grandes heróis luxuosos e maravilhosos. Mas, quando falam sobre Zumbi dos Palmares, por exemplo, fazem questão de questionar se ele tinha escravos ou não. Em nenhum momento ligam a riqueza de famílias históricas da elite, que ainda hoje prosperam, com a exploração do passado.
Quem Define o Que É Heroísmo no Brasil?
Portanto, é claro que em alguns casos as pessoas se dedicam a estudar a fundo sobre um personagem e, com isso, tomam uma decisão ou entram em um grupo que apresenta esses nomes. Mas, no geral, na história do Brasil, você é ensinado a vender a ideia de heroísmo e banditismo, e isso está totalmente ligado a quem conta a história.
Quando falo quem conta a história, não me refiro ao seu professor, ao YouTube, ao diretor de um filme, mas a algo que é explicado, replicado exaustivamente na sociedade, a ponto de influenciar a todos e, normalmente, algo que vem de cima para baixo, da elite econômica.
O Caso de Tiradentes: De Inimigo a Herói Nacional
Por exemplo, hoje você aprende sobre Tiradentes como um herói, com direito a feriado e tudo, mas, por mais de 100 anos, Tiradentes era tratado como inimigo. Inclusive, foi morto pela monarquia por causa disso. Somente quando o Brasil se tornou uma república é que ele foi colocado como herói.
Afinal, os republicanos precisavam buscar uma referência de luta contra o regime anterior. Marechal Deodoro não chega exatamente a ser tratado como um herói nacional, mas, se a república não tivesse dado certo e a monarquia tivesse retomado o poder, ele certamente seria apresentado como um bandido.
O Duque de Caxias: Herói ou Vilão?
Você vê como essa ideia de herói é tão cravada na cabeça das pessoas que elas fazem defesas ou críticas radicais a esses personagens. Aqui no canal, eu já falei sobre o Duque de Caxias e fui bombardeado. Por quê? Porque Caxias sempre foi vendido como um herói, o patrono do exército, responsável por apaziguar revoluções internas e manter o Brasil unido.
E no episódio eu basicamente conto o outro lado: que o Duque de Caxias matou muitos brasileiros que apenas lutavam por condições mais dignas de sobrevivência. Eu nem o chamei de bandido, apenas questionei essa ideia de herói nacional, que não é unânime.
A História É Escrita Pelos Vencedores
Ou seja, basicamente, o definidor de herói ou bandido no Brasil está muito mais ligado ao que acontece depois, a quem conta a história, do que exatamente ao que foi feito pelo personagem.