Lei Áurea: Além da Assinatura

O 13 de maio de 1888 é uma data histórica para o Brasil. Foi nesse dia que a escravidão foi oficialmente abolida, pelo menos na lei. Mas a história por trás desse marco é muito mais complexa do que costumamos ouvir com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel. Vamos explorar os capítulos pouco comentados desse importante acontecimento.

Processo de abolição

Em 1888, a escravidão já estava em declínio como sistema econômico. O número de escravos era menor do que o de negros livres e alforriados. O trabalho assalariado estava em ascensão, e tanto os movimentos abolicionistas nacionais quanto a pressão da Inglaterra pesavam sobre o império.

Foi no dia 13 de maio de 1888 que o Senado se reuniu para discutir a lei da Abolição, que foi aprovada. O documento foi então levado ao Paço da Cidade do Rio de Janeiro, onde a Princesa Isabel, como regente do império, aguardava para sancioná-lo.

No entanto, a abolição da escravatura foi resultado de um processo gradual ao longo de todo o período imperial. É importante destacar que essa data sequer é comemorada pelo movimento negro devido aos termos em que os escravos foram libertados. Além disso, o abolicionismo era mencionado desde o Tratado de Reconhecimento da Independência do Brasil, liderado por interesses nacionais e pressões externas na época.

Disputa interna

Havia diversos grupos parlamentares: os escravistas, que defendiam a manutenção da escravidão; os emancipacionistas, que buscavam apenas a libertação jurídica dos escravos e que foram os vitoriosos; e os abolicionistas, que apoiavam não apenas a libertação, mas também a concessão de direitos aos ex-escravizados para sua plena inserção na sociedade.

Essas discussões parlamentares foram acompanhadas por revoltas negras, como a conhecida Revolta dos Malês, e por movimentos populares que se organizavam em jornais e compra de alforrias.

Nomes como André Rebouças, Luís Gama, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco desempenharam papéis importantes no ativismo abolicionista. A classe dominante, porém, argumentava que uma abolição “por cima” deveria ocorrer para evitar o risco de subversão.

O medo de uma rebelião similar à do Haiti, liderada por escravizados contra seus senhores, era frequente. Eles alegavam que uma libertação legal poderia gerar demandas e rebeliões que colocariam em risco a integridade do Brasil. Portanto, defendiam uma libertação concedida pelos senhores de escravos, vista como um ato de generosidade que garantiria uma obediência.

Leis abolicionistas

A abolição veio também na sequência de uma série de leis que foram reduzindo a escravidão. Eusébio de Queirós, em 1850, foi responsável pelo fim do tráfico de escravos. Em 1871, a Lei Rio Branco, conhecida como Lei do Ventre Livre, enfrentou dificuldades, mas conseguiu aprovação.

Essa lei permitia que os filhos de escravos permanecessem com seus senhores até os 8 anos, quando eles poderiam optar por mantê-los como propriedade até os 21 anos ou entregá-los ao estado mediante uma indenização. Embora fosse uma conquista, a lei era também uma forma de adiar a abolição definitiva.

Apesar da resistência, importantes políticos e intelectuais, como Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, criaram a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão em 1880. O movimento se espalhou pelo país, com dezenas de agremiações semelhantes surgindo.

Jornais como Abolicionistas e revistas como a Revista Ilustrada deram voz ao movimento. Advogados, artistas, intelectuais, jornalistas e parlamentares se engajaram na causa e arrecadaram fundos para compra de alforrias.

Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida como Lei dos Sexagenários, representou mais uma tentativa de negociação do que um avanço. Ela previa a alforria dos idosos com mais de 60 anos, mas garantia aos senhores de escravos o direito à indenização. Em 1884, os estados do Ceará e do Amazonas aboliram individualmente a escravidão, aumentando a pressão sobre o império. O Vale do Paraíba, por sua vez, permanecia como uma das únicas regiões ainda apegadas à escravidão.

A Lei Áurea

Finalmente, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi sancionada, formalizando a abolição da escravatura no Brasil. No entanto, é importante ressaltar que essa data representa o culminar de um processo gradual de abolição que ocorreu ao longo de todo o século XIX. Na época da lei, a proporção de escravizados já havia sido substancialmente reduzida, principalmente devido à lei que proibiu o tráfico de escravos e à Lei do Ventre Livre.

Prova disso é que, em 1872, cerca de 15% dos 10 milhões e 100 mil habitantes brasileiros eram escravizados, enquanto em 1887 estima-se que apenas 700 mil dos 14 milhões e 300 mil eram escravizados, ou seja, cerca de 5%.

Apesar da importância histórica da Lei Áurea, ela não foi capaz de garantir direitos aos ex-escravizados, levando à marginalização social da população negra. O debate em torno da escravidão moderna e das condições de trabalho análogas à escravidão ainda persiste nos dias de hoje, e você confere mais sobre isso em outros episódios do canal, que você encontra na descrição.

Abolicionistas

Após a aprovação, o povo comemorou nas ruas, mas a elite agrária passou a planejar o fim da monarquia e a instauração de uma república onde teriam mais controle. A luta abolicionista começou muito antes disso, ainda nos séculos XVII e XVIII, com revoltas nos quilombos e a Conjuração Baiana. Em 1880, associações se uniram para arrecadar dinheiro, realizar eventos e promover ações judiciais em favor da liberdade dos escravizados.

José do Patrocínio se destacou nessa luta organizando eventos para arrecadar fundos e comprar a liberdade dos escravizados. No campo jurídico, Luiz Gama, um ex-escravizado que se tornou advogado, conseguiu libertar mais de 500 pessoas com o argumento de que haviam sido trazidas após 1831, quando o tráfico de escravos foi oficialmente proibido no país. Essa lei, que deu origem à expressão ‘para inglês ver’, foi criada para apaziguar a Inglaterra, mas na prática o tráfico continuou por décadas.

Outros nomes importantes nesse processo foram Joaquim Nabuco e Maria Firmina dos Reis, entre muitos outros que contribuíram para o movimento abolicionista. Em algumas regiões, como o Ceará e o Amazonas, a escravidão acabou antes da Lei Áurea, evidenciando que a resistência variava conforme a dependência dos latifundiários locais ao trabalho escravo.

Quando a abolição foi implementada, os negros foram libertados sem apoio, terras ou educação, o que os levou de volta a condições de trabalho semelhantes à escravidão. Os latifundiários responderam incentivando a imigração europeia e disseminando preconceitos contra os negros, estigmatizando-os como ‘preguiçosos’ e ‘inferiores’ — uma narrativa que, infelizmente, ainda persiste em parte da sociedade.

A Lei Áurea marcou o fim oficial da escravidão, mas os efeitos do período escravocrata ainda são visíveis hoje, com desigualdades raciais e sociais. Por isso, é importante lembrar que o Brasil ainda tem uma dívida histórica e moral a pagar pelos horrores da escravidão. O país foi o que mais recebeu africanos escravizados, e as marcas desse período ainda são profundas.

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