Como o colonialismo europeu e o imperialismo dos Estados Unidos explicam a crise migratória atual

A crise migratória enfrentada hoje pela Europa e pelos Estados Unidos não pode ser compreendida de forma isolada ou apenas como um fenômeno recente. Trata-se de um processo histórico profundamente ligado à colonização, à exploração econômica e às intervenções políticas promovidas por essas potências ao longo dos séculos.

A história da Europa e dos Estados Unidos é marcada por um legado complexo de expansão territorial, dominação política e acumulação de riqueza baseada na subjugação de outros povos. Ao moldarem fronteiras, economias e estruturas sociais em diversas regiões do mundo, essas potências criaram condições duradouras de desigualdade, instabilidade e dependência.

Curiosamente, são justamente esses países, que construíram sua hegemonia sobre a exploração de territórios africanos, asiáticos e latino-americanos, que hoje se veem confrontados com fluxos migratórios oriundos, em grande parte, dessas mesmas regiões historicamente exploradas.

O legado brutal da colonização europeia e do neocolonialismo

A colonização europeia, iniciada no século XV e aprofundada no século XIX com o neocolonialismo, foi marcada por violência sistemática, subjugação e desumanização em larga escala. Movidas pela busca por matérias-primas, mão de obra barata e novos mercados consumidores, as potências europeias justificaram suas ações por meio do discurso da chamada “missão civilizatória”.

Essa ideologia profundamente etnocêntrica e racista retratava povos africanos e asiáticos como inferiores, selvagens ou atrasados, legitimando práticas de expropriação, trabalho forçado e genocídio. Os impactos desse processo foram devastadores e duradouros.

No Congo, sob o domínio pessoal do rei Leopoldo II da Bélgica, ocorreu um dos genocídios mais brutais da história moderna. Entre 1885 e 1908, estima-se que entre 10 e 20 milhões de pessoas tenham morrido em decorrência da escravidão, da violência sistemática e dos métodos desumanos de exploração ligados à produção de borracha e outros recursos. Esse é apenas um exemplo entre muitos.

Além disso, o colonialismo europeu foi o principal motor do tráfico transatlântico de escravizados, que arrancou mais de 10 milhões de africanos de suas terras entre os séculos XVI e XIX. Esses trabalhadores forçados foram utilizados para substituir populações indígenas dizimadas pela violência e pelas doenças trazidas pelos colonizadores.

Exploração econômica e interferência política no neocolonialismo contemporâneo

Mesmo após o fim formal do colonialismo, a exploração econômica e a interferência política por parte da Europa e dos Estados Unidos não cessaram. Elas passaram a operar por meio do que se convencionou chamar de neocolonialismo ou colonialismo moderno.

Esse processo não se manifesta mais pela ocupação territorial direta, mas através de acordos econômicos desequilibrados, mecanismos de governança global assimétricos e da manutenção de estruturas financeiras e comerciais que favorecem sistematicamente o Norte Global em detrimento do Sul Global.

Relatórios recentes indicam a magnitude dessa exploração estrutural: apenas em 2023, o 1% mais rico do Norte Global extraiu cerca de 30 milhões de dólares por hora do Sul Global. Esses dados evidenciam como as engrenagens econômicas herdadas do colonialismo continuam operando, concentrando riqueza e aprofundando desigualdades.

Países de baixa e média renda são frequentemente obrigados a destinar uma parcela significativa de seus orçamentos — em média, cerca de 48% — ao pagamento de dívidas externas, muitas delas originadas em processos históricos ligados à colonização, à escravidão e à dependência econômica.

O papel dos Estados Unidos nas intervenções políticas globais

Para além da exploração econômica, os Estados Unidos possuem um histórico extenso de intervenções políticas em outras regiões do mundo, especialmente na América Latina. Desde o século XIX, o país esteve envolvido em golpes de Estado, mudanças de regime, apoio a governos autoritários e interferências diretas em processos eleitorais.

Essas intervenções, frequentemente justificadas em nome da “democracia” ou da “liberdade”, desestabilizaram sociedades inteiras, geraram conflitos prolongados e aprofundaram crises sociais e econômicas. Como aponta Noam Chomsky, tais ações costumam atender prioritariamente a interesses estratégicos e econômicos, perpetuando ciclos de dependência e instabilidade.

O resultado direto desse processo é o deslocamento forçado de milhões de pessoas, que passam a buscar refúgio e condições mínimas de sobrevivência fora de seus países de origem.

A hipocrisia europeia e norte-americana diante da imigração

Diante desse histórico de colonização, exploração e intervenção, a postura atual da Europa e dos Estados Unidos em relação à imigração revela uma contradição profunda. As mesmas nações que enriqueceram explorando recursos e mão de obra de outros povos agora adotam políticas migratórias restritivas, erguem muros e disseminam discursos xenófobos e alarmistas.

Ao tratar a imigração como um problema isolado, essas potências ignoram deliberadamente seu papel central na criação das condições que forçam milhões de pessoas a deixar suas casas em busca de segurança, dignidade e sobrevivência.

A crise migratória, portanto, não é um acidente histórico, mas uma consequência direta de séculos de dominação, exploração e desigualdade estruturada no sistema internacional.

Por que o Sul Global é pobre? Colonialismo, exploração e desigualdade estrutural