A História da Fome no Brasil

No Brasil, milhões de pessoas passam fome, e outros milhões já viveram isso no passado. Só que uma grande parcela, especialmente os mais jovens, desconhece o quanto esse cenário já foi terrível aqui no Brasil e como ele ameaça retornar nos próximos anos.

Em 1º de maio de 1500, Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei Dom Manuel uma carta sobre o Brasil, onde mencionou um trecho que dizia: ‘Nesta terra, se plantando, tudo dá’. De fato, o Brasil tem solos variados e boas condições climáticas para plantações de diferentes tipos, mas o problema estava nas pessoas que controlam isso.

Assim como hoje vemos o preço do arroz disparar por causa da exportação ao invés de priorizar o abastecimento interno, o mesmo acontecia no período colonial, iniciando a fome por aqui. O foco era produzir e enviar para Portugal, e essa prática persistiu até o início do século XIX.

Escravidão

Somado ao regime escravocrata, isso fez com que a pobreza se multiplicasse no Brasil. Quando a abolição da escravatura ocorreu, o país já vivia uma desigualdade absurda, com muitos negros sem trabalho, vivendo de biscates e até mesmo morando nas ruas. A abolição sem nenhuma reparação ou projeto para inserir os negros na sociedade e no ambiente educacional e de emprego agravou ainda mais essa situação.

Apesar da gravidade, pouca coisa era feita e, até então, o cenário era pouco estudado. Um dos poucos a se aprofundar nesse tema foi o médico Josué de Castro. Ele realizou um estudo sobre as condições de vida dos operários. eEobservou que o consumo das famílias era baseado em açúcar, café, charque, farinha, feijão e pão, o que consumia mais de 70% do salário. Essa alimentação pobre em vitaminas e minerais gerava alta mortalidade e baixa expectativa de vida.

A divulgação desse estudo teve grande repercussão e acabou resultando em outros estudos similares em várias regiões, que identificaram doenças relacionadas à miséria, como desnutrição e carência de vitamina C. Esses estudos serviram de base para a regulamentação do salário mínimo e a criação do Serviço de Alimentação da Previdência Social e da Comissão Nacional de Alimentação, durante o governo Vargas na década de 1930.

Foi necessária uma intervenção estatal para combater a fome no Brasil. O Serviço de Alimentação foi responsável pela instalação de restaurantes populares no Rio de Janeiro e em São Paulo, que tinham como finalidade oferecer refeições balanceadas a preços acessíveis. Foram criados também postos de subsistência que vendiam alimentos básicos a preço de custo.

Ditadura Militar

Em 1964, os militares assumiram o poder e, entre 1968 e 1974, ocorreu o chamado ‘milagre econômico‘, no qual o Brasil teve um crescimento elevado do PIB. O problema é que o ‘bolo cresceu’, mas não foi repartido. Dados do Estudo Nacional de Despesas Familiares mostravam que 67% da população (ou dois em cada três brasileiros) tinham consumo energético inferior às necessidades nutricionais.

Desta forma, 46% das crianças menores de 5 anos apresentavam desnutrição. A situação dos adultos também era terrível. Com 24% dos homens desnutridos e 26% das mulheres, o que significa que, na época da ditadura militar, um em cada quatro brasileiros se alimentava menos do que necessitava.

Para tentar reduzir isso, o governo criou o programa Pronan. Direcionado a gestantes e crianças até sete anos, mas ele só saiu do papel em 1976, trazendo uma política de suplementação alimentar e apoio ao pequeno produtor rural.

Fome na redemocratização

Com o fim da ditadura, novos programas foram implementados. Como a suplementação alimentar, o reforço alimentar para creches e o Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes, entre outros. Contudo, a inflação elevada dificultava o acesso a alimentos para outras camadas da população.

A situação piorou com a chegada de Fernando Collor ao poder e a implementação de políticas neoliberais. O que deixou as políticas sociais em segundo plano. Isso levou o Brasil a alcançar 32 milhões de pobres e famintos. Em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi criado o Conselho da Comunidade Solidária, liderado pela primeira-dama Ruth Cardoso, com programas como o Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Bolsa Escola. O grande avanço veio com o Plano Real, em 1994, no governo de Itamar Franco, que controlou a inflação e permitiu a compra de alimentos sem grandes aumentos de preços ao longo do mês.

Redução da fome

Apesar dos avanços, os números ainda eram críticos na década de 1990. Em 1996, 10,5% das crianças menores de cinco anos apresentavam desnutrição crônica. Em 2002, Lula lançou o projeto Fome Zero, com um conjunto de 30 programas complementares para combater as causas da fome e da insegurança alimentar. Esse projeto incluía o Bolsa Família, que unificou e ampliou programas de transferência de renda.

Durante o governo de Dilma Rousseff, foi implementado o programa Brasil Sem Miséria, que visava erradicar a extrema pobreza, com ações em diversas áreas, como educação, saúde, geração de emprego e renda. Entre os resultados, o Brasil conseguiu reduzir a fome e a desnutrição entre 2002 e 2013, elevando o acesso à alimentação em 82%. Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU, pela primeira vez em sua história.

Apesar da marca expressiva e comemorada, ainda havia cerca de 7,2 milhões de pessoas na extrema pobreza. Com o golpe de 2016 e o congelamento de investimentos em diversas áreas, a situação começou a piorar novamente. Entre 2014 e 2020, o número de desempregados subiu de 6,2 milhões para 13,5 milhões. Em 2018, o Brasil voltou ao Mapa da Fome, com 10 milhões de pessoas na extrema pobreza, um aumento de 3 milhões em relação a 2014.

Segundo o economista Daniel Balaban, chefe do Programa Mundial de Alimentos no Brasil, a estimativa é que 14,7 milhões de brasileiros estejam na extrema pobreza até o final de 2022, o dobro do cenário de 2014. Essa previsão foi feita em maio, no início da pandemia, e considerando a má gestão e o fim do auxílio emergencial, a situação pode se tornar ainda mais crítica.

Em 2024, o número voltou a cair, segundo o Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial. Os números apontavam para 2,5 milhões de pessoas em insegurança alimentar severa.

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