Que está em pauta no Congresso atualmente é o homeschooling, que está sendo falado desta forma, mas nada mais é do que a educação domiciliar. Entenda o que está sendo debatido, o que pode entrar em vigor e como isso afeta principalmente a vida das crianças e dos adolescentes.
Proposta no Congresso
Estamos falando do homeschooling porque a Câmara dos Deputados aprovou nesta semana um projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar. O projeto foi colocado em votação com urgência, ou seja, teve todo o seu processo acelerado, não passando por debates de comissões e já sendo colocado para votação no plenário, o que por si só já mostra que é algo preocupante, uma lei tão importante.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, teria evitado até um simples debate sobre a pauta. Projeto do ensino domiciliar foi colocado pelo governo Bolsonaro como prioridade para a área de educação, mas quanto à lei, ela está em pauta porque, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente obriga que crianças e adolescentes estejam matriculados em instituições de ensino.
O STF, em 2018, declarou que por isso o ensino domiciliar no Brasil era ilegal até que ocorresse alguma lei regulamentando o assunto.
O projeto
No projeto aprovado na Câmara, e que ainda precisa passar no Senado, portanto vale a pressão, os pais poderão simplesmente tirar seus filhos das escolas. Claro que existem requisitos a serem atendidos, porém são extremamente frágeis.
O primeiro é a comprovação de escolaridade de nível superior por pelo menos um dos pais, o que por si só já garante muito pouco. Afinal, uma pessoa que fez contabilidade, administração, nutrição, enfim, qualquer outra área que não seja ligada a ensino diretamente, está apta a educar uma criança. Até mesmo alguém que tenha feito letras, história, geografia estaria apto para conduzir todo o processo de aprendizado sozinho.
Só que aí tem um agravante: esse requisito não exige que essa pessoa de nível superior esteja em casa. Ou seja, esse pai ou mãe pode ficar o dia inteiro no trabalho e a criança ou adolescente ficar em casa com uma avó, um avô, um tio, uma babá. Que sequer sei lá tenha sido alfabetizada, e mesmo assim vai poder seguir esse tipo de educação.
O estudante terá que passar ainda por avaliações anuais de aprendizagem, que também não dizem muito. Não é detalhada como isso vai ser. Além disso, mesmo que o estudante seja reprovado, ele ainda vai poder continuar com o ensino domiciliar. Ele só perderia esse direito — ou seja, a família, na verdade, só perderia esse direito se isso correspondesse a dois anos consecutivos ou três vezes no geral.
A regulamentação até aponta que o currículo seja pautado na Base Nacional Comum Curricular, mas não tem a menor garantia de que isso será aplicado, afinal, não terá fiscalização dentro das casas. Além disso, o ensino domiciliar é prejudicial por uma série de motivos, e não sou eu que estou dizendo.
Entidades são contra
Mais de 400 entidades já se posicionaram contra o assunto, uma delas a UNICEF. A UNICEF soltou nota contra a aprovação na Câmara Brasileira. Nessa nota, o Fundo das Nações Unidas para a Infância afirmou que autorizar a educação domiciliar significa privar crianças e adolescentes do seu pleno direito de aprender.
Família e escola têm deveres diferentes e complementares na vida de meninas e meninos. A família é o lugar do cuidado e de aprendizagens não curriculares dentro de um ambiente privado. A escola é o lugar da aprendizagem curricular e o principal espaço público em que o estudante interage com outras pessoas, socializa e aprende.
E acrescentou: crianças e adolescentes são sujeitos de direito e não objetos de propriedade dos pais. E esse é um ponto muito importante porque você certamente já ouviu falar alguém dizendo: “Ah, o meu filho educo eu”, ou “Quem sabe do meu filho sou eu”, como se fosse realmente uma propriedade.
Porém, crianças e adolescentes são pessoas com direitos, claro, que sob a tutela e responsabilidade dos pais, mas não se pode fazer o que quiser com o filho. Isso é normalizado porque, muitas vezes, as pessoas pensam em pequenas atitudes particulares.
No entanto, estamos falando de abusos, violências, negligências que também acontecem em muitas famílias brasileiras, e se essa criança está isolada do mundo, torna-se muito mais difícil coibir isso, ou seja, mais difícil de protegê-la.
Escola pode ajudar a proteger
Muitas vezes é na escola que um professor identifica um comportamento diferente, uma lesão diferente ou até mesmo escuta o relato do próprio aluno de maus tratos em casa. E eu não estou tirando isso da minha cabeça.
Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 81% dos casos de violência contra crianças e adolescentes ocorrem dentro de casa. E 70% dos casos de violência sexual também acontecem em ambiente familiar.
Um outro ponto é que a escola também é lugar de socialização, não apenas com os professores, mas com outras crianças e adolescentes, e tem outras culturas, outras preferências, outros comportamentos, opiniões, ou seja, um ambiente plural que estimula o pensamento crítico das crianças e dos adolescentes que vão conviver com essa diversidade.
Diálogo com os filhos
E quem alega que a escola ensina coisas que você não concorda ou que ele vai conviver com crianças que não se comportam tem atitudes erradas, basta sentar com o seu filho e explicar que apesar daquilo acontecer ou ser ensinado, a sua família, seja por questões religiosas, ideológicas ou comportamentais, não concorda ou não segue.
Só é difícil fazer isso quem não tem o costume de ter esse tipo de diálogo com o filho. E se não tem esse hábito nem de fazer algo simples assim como uma conversa, você acha que vai se dedicar a que ele realmente estude e aprenda em casa?
Além disso, quando ele chegar aos 17, 18 anos e for para a faculdade ou entrar no mercado de trabalho, vão proibir que lá sejam faladas as coisas que você não concorda? Ou também vão querer o direito de que ele faça um ensino superior domiciliar, sem contato com professores? O trabalho será na empresa da família?
Então, esse argumento não se sustenta. Não tem como criar o filho em uma bolha, nem se deve. Não tem como, nem se é saudável. Além disso, a escola é o lugar formal de aprendizagem. É projetada para esta função. Por mais que uma família se esforce, ela jamais conseguirá reproduzir toda a estrutura de uma escola, que tem dezenas de educadores para várias disciplinas e funções.
É importante destacar que o ensino domiciliar não significa nada parecido com o que vimos na pandemia ou o ensino híbrido. Na pandemia, mesmo com o ensino feito em casa, professores, pedagogos preparavam as aulas, apresentavam, seguiam o planejamento elaborado pela secretaria de educação e pelas contribuições de ensino, e seguiam uma programação, uma carga horária definida para cada disciplina.
No ensino domiciliar, isso não existe. Ficará totalmente a critério dos pais ou até mesmo do próprio estudante o que ele vai fazer durante o dia.