No Brasil, a história é quase sempre contada de forma superficial e, muitas vezes, até alteram o sentido ou mesmo distorcem os fatos. Esse é o caso da Proclamação da República, que pode ser melhor chamada de ‘primeiro golpe da República’.
Este artigo não é um apoio à Monarquia ou à família imperial da época, mas uma forma de contar a história da maneira como de fato aconteceu. Inclusive, você pode julgar se o golpe foi benéfico ou não para o país. Esse não é o debate aqui, mas sim apresentar os interesses por trás, quem comandou e o que realmente aconteceu.
O que é golpe?
Para começar, é preciso deixar claro por que é considerado um golpe. Uma definição básica de golpe é toda ação política que coloca fim a um governo de forma contrária à constituição vigente. E a Constituição determinava que o sistema era uma monarquia, sem abrir brechas para uma mudança sem um amplo debate e movimento popular. Portanto, para realizar essa mudança, o único caminho viável seria um golpe, o que foi exatamente o que aconteceu.
Quando um golpe não é do interesse da grande maioria da população e serve apenas para atender aos interesses de uma elite econômica, esse processo, mesmo que pareça positivo, carrega uma série de problemas. E foi isso que aconteceu com o golpe de 1889.
República sem mudanças
A Proclamação da República foi uma mudança que não alterou o poder estabelecido. Com exceção da família imperial, todos que faziam parte da elite econômica na monarquia mantiveram seu poder após a proclamação e defenderam a República justamente por temerem perder seu status.
A insatisfação dessa elite com a família imperial só aumentou de verdade após a abolição da escravidão, no ano anterior. É irônico que a família que permitiu que o Brasil fosse o último país da América a abolir a escravidão tenha sido derrubada exatamente por causa desse ato.
Os grandes fazendeiros, insatisfeitos com a perda financeira causada pela abolição, se uniram aos militares que já tinham uma relação desgastada com Dom Pedro II desde a Guerra do Paraguai. A resistência de parte dos militares à ascensão da Princesa Isabel ao trono também contribuiu para a conspiração.
Sem apoio popular
Na época, o movimento republicano ainda não tinha força suficiente para ser um desejo popular claro. Em 1889, na eleição para a Câmara dos Deputados, os candidatos do Partido Republicano receberam apenas 12% dos votos. O próprio Marechal Deodoro da Fonseca não era inicialmente a favor de derrubar Dom Pedro II, mas foi convencido após uma mentira disseminada pelos republicanos de que o governo imperial havia ordenado sua prisão.
No dia 14 de novembro de 1889, os republicanos espalharam esse boato, o que levou Deodoro a reunir as tropas, destituir o ministro e proclamar a República. Todos os envolvidos estavam inseguros quanto à reação popular, já que o tema não era amplamente discutido entre a população. Para evitar qualquer fracasso, eles ordenaram que a família imperial deixasse o país ainda de madrugada, antes que a população pudesse se manifestar.
A principal prova de que a República veio para ‘mudar sem mudar’ é que as decisões políticas continuaram nas mãos de uma minoria. Não foi um movimento democrático nem com participação popular. Tanto que a escolha do primeiro presidente, em 1891, foi indireta. E mesmo na primeira eleição direta em 1894, apenas 2,2% da população participou.
Essa participação foi aumentando com o tempo, mas, até hoje, a elite econômica brasileira continua resistindo à vontade popular e financiando golpes através do uso de militares, do judiciário ou do congresso, para evitar que o povo possa decidir os rumos do país.