Violência como marketing político

A indústria da violência: como o Estado transforma o medo em espetáculo

Toda vez que o noticiário mostra uma “grande operação” contra violência em alguma favela, a cena é a mesma: helicópteros sobrevoando, tiros, dezenas de mortos, coletivas de imprensa, manchetes de “combate ao tráfico”.

Os governantes aparecem em rede nacional, com expressão firme, dizendo que estão “enfrentando o crime organizado.” Mas o que parece firmeza, na verdade, é teatro político.

Essas operações, com sua estética militar e cobertura midiática espetacular, não são políticas de segurança — são campanhas de marketing. Servem mais para reforçar discursos eleitorais do que para proteger vidas. E o pior: matam muito, mas resolvem nada.

O espetáculo da violência

O sociólogo francês Guy Debord dizia que vivemos na sociedade do espetáculo. Ou seja, tudo — até a morte — pode ser transformado em imagem para gerar poder. No Brasil, isso se aplica perfeitamente à política da segurança pública.

As operações policiais em favelas são apresentadas como “batalhas do bem contra o mal”. Mas, na prática, são rituais midiáticos de demonstração de força. Servem para o governador aparecer como “duro”, “corajoso” e “sem medo de bandido”.

Mas de efetividade, não há nada para mostrar. Você não vai andar com mais segurança na rua e o tráfico não vai diminuir. Enquanto isso, a população pobre é usada como figurante e alvo.

Para entender melhor vale ver a história da violência no Rio de Janeiro.

A falsa guerra que nunca acaba

Essa lógica da “guerra ao crime” é a mesma da “guerra às drogas”: uma guerra sem fim e sem vitória. Décadas de operações no Rio, em São Paulo e em outras capitais mostraram o resultado: as cidades não ficaram mais seguras.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mesmo após milhares de operações e bilhões gastos em armamentos, a taxa de homicídios nas periferias segue estável ou crescente. Os territórios continuam dominados por grupos armados. E o tráfico, longe de acabar, se reorganiza e se adapta.

O sociólogo Luiz Eduardo Soares define bem: “A política de segurança pública no Brasil é uma máquina de moer gente pobre.”

A cada operação, dezenas de jovens são mortos, outros presos. Mas no dia seguinte, outros tomam o lugar. Porque a estrutura que produz o crime permanece intacta.

A farsa do “controle do tráfico

Quando um governador aparece dizendo que vai “acabar com o tráfico”, o que ele não diz é que o tráfico não começa nem termina na favela. As investigações mais sérias mostram que o dinheiro do crime é lavado em escritórios luxuosos, fundos de investimento e empresas de fachada — não em vielas.

Um exemplo emblemático: em 2025, a Polícia Federal revelou esquemas de lavagem de dinheiro do PCC na Avenida Faria Lima, o coração do sistema financeiro de São Paulo. Empresas “respeitáveis” ajudavam a esconder lucros do tráfico em negócios de fachada e investimentos imobiliários.

Ou seja: o dinheiro sujo é branco — e veste terno. Mas a bala sempre atinge o corpo negro e periférico.

Enquanto o foco continua nas favelas, o verdadeiro crime financeiro, aquele que movimenta milhões e corrompe instituições, segue protegido pela invisibilidade.

A política do medo e o discurso da força

Governantes que fracassam em saúde, educação e geração de empregos sabem que o medo é uma ferramenta poderosa. Quando o povo tem medo, ele aceita qualquer coisa — até o autoritarismo. É por isso que tantos políticos fazem da violência uma vitrine eleitoral.

Eles sabem que o pânico coletivo é mais eficaz do que qualquer plano de governo. Afinal, um povo assustado não cobra política pública — pede bala. E quanto mais o Estado mata, mais ele aparece como “protetor”. É o que chamam de necropolítica: o poder de decidir quem vive e quem morre, transformando a morte em forma de governo.

A ineficácia como estratégia

Mas não se engane: a ineficácia das operações não é um erro — é o objetivo. Se elas dessem certo, a indústria do medo perderia sentido. A violência precisa continuar para justificar mais armas, mais orçamento, mais poder para as forças repressivas.

É o ciclo perfeito:

  1. O governo faz uma operação violenta.
  2. A mídia cobre como espetáculo.
  3. A população sente medo e pede mais repressão.
  4. O governo ganha popularidade.
  5. E nada muda.

A política da bala é uma política da repetição. Ela não busca resolver o problema, apenas administrá-lo — e com isso, lucrar politicamente.

O número de fuzis apreendidos em uma operação que matou mais de 60 pessoas foi menor do que o encontrado em uma casa de um desses financiadores do crime seis anos atrás em um serviço de inteligência que não se precisou disparar um tiro. 

O verdadeiro combate à violência não é feito com fuzis

Quem estuda segurança pública sabe: violência se combate com inteligência, não com espetáculo.
Nenhum país ficou mais seguro com operações midiáticas. Os que reduziram violência de verdade apostaram em políticas de longo prazo, baseadas em cinco pilares: Investimento social, inteligência, controle de armas, combate financeiro ao crime e reforma do sistema prisional.

Enquanto o Estado continuar atacando sintomas e poupando as causas, a violência vai continuar sendo um negócio rentável e uma narrativa conveniente.

Veja o vídeo sobre a violência como marketing

História da violência

A história da Violência no Rio de Janeiro