A história oficial do Brasil se inicia em 1500, com a chegada de Pedro Álvares Cabral por aqui. A escravidão em nosso território começa pouco depois disso, na década de 1530.
Isso porque foi naquela época que os portugueses implantaram as capitanias hereditárias. Um sistema de divisão do território para a exploração.
Inicialmente, o foco era o cultivo de cana de açúcar e os portugueses utilizaram os indígenas como escravos nesses engenhos.
Começo da Escravidão: Indígena
Os indígenas eram a principal mão de obra escrava dos portugueses até metade do século XVII. Neste período, os portugueses começaram a trocar os indígenas pelos escravos africanos.
Essa troca aconteceu por diversos fatores. O primeiro era que os indígenas não estavam familiarizados a ideia de trabalho contínuo para produção de excedente, como exigiam os europeus. Segundo porque eram mais suscetíveis a doenças como varíola, gripe e sarampo.
Terceiro porque os Padres Jesuítas acreditavam que eles poderiam ser convertidos ao catolicismo e com isso criavam barreiras para essa escravidão irrestrita, como desejavam os colonos.
Foi inclusive por pressão dos Jesuítas que a Coroa fez uma lei proibindo a escravização dos indígenas em 1570. No entanto, no século XVII, os Bandeirantes também passaram a fazer expedições em busca de metais preciosos e ainda utilizaram os indígenas como mão de obra escrava.
Em troca, o administrador deveria ensinar os indígenas a doutrina cristã e em seguida entregá-los a Coroa.
As múltiplas culturas
Neste mesmo período começavam a chegar os primeiros africanos para serem escravizados no Brasil. Foi em 1550 que os primeiros navios negreiros chegaram aos portos brasileiros.
Foram então três séculos deste tráfico negreiro, no qual mais de 4,8 milhões de africanos foram trazidos para serem escravizados no Brasil. O que torna o país o maior importador de escravos do Mundo. E nesta conta não estão os que morreram durante a travessia do Oceano.
Um detalhe importante é que o racismo histórico sempre tentou apagar a cultura dos africanos e os reduzirem a uma coisa só, quando na verdade, eram diversos grupos étnicos, cada um com a sua própria característica.
Vieram para cá pessoas de diversas regiões. Da Guiné e do Sudão estavam entre outros, os afantis, axantis, jejes, peuls, hauçás (muçulmanos, chamados malês na Bahia) e os nagôs ou iorubás. Estes últimos tinham uma grande influência política, cultural e religiosa em ampla área sudanesa.
Eram de cultura banto os negros provenientes do Congo e de Angola — os cabindas, caçanjes, muxicongos, monjolos, rebolos—, assim como os de Moçambique, Tongas e Changanas.
Estes povos trouxeram consigo para o continente americano seus costumes, crenças, línguas, danças, ritmos, instrumentos musicais, culinária bem como seus deuses e seus ritos de culto. Essas múltiplas culturas e religiões chegaram aqui sendo espalhadas por diversas regiões.
No Sudeste brasileiro, por exemplo, a maior parte da população escrava anterior ao fim do tráfico, em 1850, era da região centro-ocidental, vindos principalmente do Congo e de Angola. Locais que cultuavam ancestrais e os inquices, entidades dos cultos congo-angolanos no Brasil.
Já o Maranhão e a Bahia, receberam muitos africanos da região do reino do Daomé, que são chamados de jejes na Bahia e de minas no Maranhão. Os grupos cultuavam deuses chamados de voduns.
A Bahia também recebeu grupos que falavam a língua iorubá, que cultuavam deuses denominados orixás. A fusão de elementos das tradições jejes e nagôs deu origem ao candomblé baiano.
O tráfico
Na época da escravidão, os africanos eram capturados em suas terras natais e levados até o litoral, onde aguardavam em galpões por semanas até que um navio negreiro os transportasse através do Atlântico.
Esses navios, também conhecidos como tumbeiros, tinham uma alta taxa de mortalidade durante a travessia. Os africanos eram embarcados no porão do navio em grupos de 300 a 500 indivíduos e submetidos a uma viagem que durava de 30 a 50 dias, em condições precárias e com poucos suprimentos.
Ao chegar ao Brasil, nos portos de Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Vicente, os africanos eram distribuídos para diversas localidades para realizar qualquer tipo de trabalho necessário. Começaram trabalhando no litoral, cortando o pau-brasil e posteriormente trabalhando nos engenhos de cana-de-açúcar.
Depois, foram levados para o interior do território e regiões mais distantes para trabalhar na mineração, criação de gado, cultivo de cacau, charqueadas, exploração das “drogas do sertão” e em serviços domésticos, construções públicas e comércio de gêneros alimentícios.
Trabalho escravo
O trabalho dos escravos africanos inicialmente foi utilizado para atender as demandas da produção de açúcar nos engenhos. Eram mais de 20 horas por dia de trabalho, marcados ainda pela violência dos senhores e autoridades coloniais.
Engenhos grandes chegavam a possuir 100 escravos, que dormiam no chão duro na senzala e lá eram monitorados para evitar que fugissem. A alimentação era pobre e insuficiente, e os escravos precisavam complementá-la com os alimentos obtidos de uma pequena lavoura que cultivavam aos domingos.
Durante o período da escravidão, realizavam uma variedade de trabalhos, incluindo agricultura, ofícios e serviços urbanos e domésticos.
Os escravos rurais eram responsáveis pela além da produção cana-de-açúcar,do algodão, tabaco, café e extração de metais preciosos destinados à exportação, o que sustentava a colonização. Escravos especializados em ofícios trabalhavam na moagem da cana-de-açúcar e na produção de açúcar, construção, carpintaria, olaria, sapataria e ferraria.
Durante o século XIX, muitos escravos também trabalharam como operários em nossas primeiras fábricas. Enquanto isso, escravos domésticos desempenhavam uma ampla variedade de tarefas, incluindo carregar água, retirar lixo e transportar cargas e seus senhores em redes, cadeiras e palanquins.
Punições dos escravos
Durante o período da escravidão, muitos cativos eram submetidos a condições extremamente brutais. Alguns eram acorrentados ou usavam máscaras de ferro, como a máscara de flandres, para evitar a ingestão de diamantes ou álcool e prevenir suicídio por ingestão de terra.
A violência física era usada para incutir medo nos escravos e evitar rebeliões. As escravas eram ainda mais vulneráveis, sofrendo abusos sexuais frequentes. Escravos rebeldes ou infratores podiam ser submetidos a punições severas, como açoitamentos com mais de 300 chibatadas, às vezes levando à morte.
Relatos históricos também descrevem métodos desumanos de execução, como fornalhas, envenenamentos e enforcamentos, usados para punir escravos por transgressões insignificantes.
Pessoas, não coisas
Os escravizados eram vistos juridicamente como “coisas”. Com isso, podiam ser doados, vendidos, trocados, entre outras coisas. Não podiam possuir bens, nem estudar, nem nada.
Era uma tentativa de desumanizar os escravizados. No entanto, entre os escravizados, isso nunca aconteceu. Mesmo nas condições em que eram submetidos, eles sempre continuaram buscando constituir familiar, estabelecer laços de amizade, cultuarem seus deuses e lutarem por melhores condições de vida.
Resistência
Durante os três séculos de escravidão, milhares foram os casos de resistência. Entre os mais emblemáticos estão a Revola dos Malês e a formação do Quilombo dos Palmares.
Porém, foram muitos os quilombos formados e as tentativas de libertação dos escravizados. Nas últimas décadas antes da abolição, o movimento abolicionista fez também diversas campanhas de arrecadação para financiar a carta de alforria dos escravizados.
Assim como também muitas foram as ações na Justiça por libertação devido a chegada de africanos mesmo após as Leis de proibição do tráfico.
Fim da escravidão
A abolição definitiva só foi ocorrer em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea. O Brasil foi o último país do continente americano a abolir o tráfico escravo.
Apesar de ser tratada como uma grande ação da Princesa Isabel, a mesma só ocorreu após grande engajamento do movimento abolicionista e das resistências dos escravos, que levaram a Lei a ser aprovada pelo Senado e em seguida assinada pela Princesa.
Este movimento abolicionista estava cada vez mais forte desde a Lei Eusébio de Queirós, que em 1850, aboliu o tráfico negreiro. Entre os nomes importantes deste movimentam estavam André Rebouças, Luis Gama, José do Patrocinio e Joaquim Nabuco.
Através dessa luta, com mobilizações nas ruas, nos jornais e nos tribunais, que muitas outras Leis surgiram.
Em 1871 teve a Lei do Ventre Livre, que estabeleceu a liberdade para os filhos de escravas nascidos depois desta data. O que tinha pouco efeito de imediato, pois o filho só conseguiria a liberdade após os 18 anos, porém, já direcionava o país para o fim da escravidão, a medida que não teriam novos escravizados.
Em 1885 teve também a Lei dos Sexagenários, tornando livres os escravos com mais de 60 anos. Embora pareça uma conquista, era algo de pouco efeito, pois poucos eram os que conseguiam chegar a essa idade.
Até que surge a abolição em 1888. A reação da população foi de festa, porém, a Lei não foi acompanhada de nenhuma medida de reparação e nem sequer de suporte aos negros libertos. Ou seja, ficavam sem estudos, sem dinheiro, sem trabalho, sem casa e sem comida.
Inclusive, quando a abolição foi aprovada, existia dois projetos em votação. E somente um garantia indenização. Porém, a indenização não era para quem foi escravizado a vida toda e sim aos fazendeiros. Foi uma proposta do partido conservador, que acabou perdendo para o projeto dos liberais.
Que não trazia o absurdo de indenizar quem escravizou, mas também não garantia nenhuma assistência aos ex-escravos.
Para piorar, o que se viu ainda foi um projeto de exclusão dos negros, através de políticas de imigração de europeus e marginalização dos negros.
A exclusão após a Escravidão
Com a abolição, o Estado e a elite econômica do país iniciou uma forte campanha de exclusão dos negros. Os mesmos que haviam sido responsáveis por construir casas, igrejas, palácios, cuidar das fazendas, das casas, agora eram vistos como sem qualificação para o trabalho.
Passaram a enaltecer o imigrante branco e adjetivar os negros como vadios, desordeiros e acomodados. Justamente, os legítimos construtores de tudo o que havia no Brasil.
Além de todo esse preconceito implementado no discurso, se viu também na prática uma política de embranquecimento através da República.
Os primeiros governos republicanos passaram a incentivar a imigração de europeus. Enquanto buscava proibir o desembarque de negros e asiáticos no Brasil. A justificativa era que os brancos europeus era a real ascendência dos brasileiros.
Com isso, os fazendeiros – em especial os cafeicultores – ganharam uma compensação: a importação de força de trabalho europeia financiada pelo poder público.
Ainda na Primeira República, o Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890, determinava que a entrada de pessoas da Ásia e da África no país só ocorriam com autorização especial do Congresso.
Já o Decreto-lei nº 7.967/1945, sobre a política imigratória do Brasil, estabelecia que o ingresso de imigrantes no país deveria se dar observando “a necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia”.
Ao mesmo tempo, ocorria diversas perseguições das práticas de samba, capoeira e religiões africanas. O que forçava que tudo isso ocorresse de forma escondida.
Higienistas
Outra forma de perseguição, mas que vinha disfarçada de um cuidado social ocorreu através dos higienistas. Eles identificaram os cortiços como foco de epidemias, de vícios e atentados contra a moralidade.
A partir desse momento, as forças policiais passavam a enxergar todo o morador de cortiço como um perigo social.
Criou-se então uma política de eliminação dos cortiços da capital do Brasil, o Rio de Janeiro. O que era vendido como uma forte de combater os problemas de saúde da população, na verdade era uma forma de afastar as classes mais pobres, em especial os negros, do grande centro urbano.
Racismo na Lei
No geral, foram muitas leis claramente racistas no país, principalmente se você observar o contexto em que elas foram feitas.
O decreto nº 145, de 11 de junho de 1893, portanto, determinava a prisão de mendigos, vagabundos, vadios capoeiras e desordeiros. Ou seja, menos de 5 anos depois da abolição, queriam a prisão de pessoas que estavam nas ruas ou faziam práticas ligadas a cultura africana.
Depois, o Decreto nº 3475, de 4 de novembro de 1899, negava o direito a fiança a réus considerados vagabundos ou sem domicílio e ainda autorizava incursões policiais sem controle judicial, especialmente em regiões onde havia mais negros.
Isso sem contar que a capoeira e o candomblé foram fiscalizados durante todo o Estado Novo, objetos de Umbanda e Candomblé foram apreendidos entre 1889 e 1945. Além de bailes e outras manifestações culturais da comunidade negra que foram fechados e perseguidos durante a Ditadura Militar.
A Queima dos Arquivos da Escravidão no Brasil
Movimento negro
Após a abolição e em meio a tanto preconceito e ataques, o movimento negro tentou de diversas formas reverter esta situação.
Primeiramente, diversos jornais foram criados por negros trazendo reinvidicações políticas. Na década de 30,a Frente Negra Brasileira buscava exaltar a raça e derrubar esse estigma da cor. Porém, o partido foi extinto pelo Estado Novo.
Com o fim da ditadura Vargas em 45, o movimento criou a Associação do Negro Brasileiro. Neste período também foi criado o Teatro Experimental do NEgro, com Abdias Nascimento. Ambos que buscavam combater a discriminação.
Movimentos importantes para a criação da Lei Afonso Arinos, que tratava como contravenção penal a discrminação de raça, cor e religião.
A escravidão nos dias de hoje
Só que é importante destacar que a escravidão ainda não acabou. Entre 1995 e 2020, mais de 55 mil pessoas foram resgatadas de condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil.
Em 2022, foram 2.575 pessoas exploradas, um aumento de 31% em relação a 2021 e 127% na comparação com 2019. A grande maioria negros. 83% das vítimas eram pretas ou partidas. Reflexo ainda dos três séculos de escravidão.