Quase todo mundo sabe sobre a ditadura militar no Brasil, mas o que pouco se fala é como o regime autoritário influenciou o futebol, que era a atração mais popular da época. Neste episódio, vamos abordar as intervenções, perseguições, estádios usados como locais de tortura e muito mais.
Durante o período da ditadura, o governo militar interferiu profundamente no futebol brasileiro, e uma das primeiras intervenções significativas foi na Seleção Brasileira, principalmente após a derrota na Copa de 1966, a primeira durante o regime militar. Com o sucesso nas Copas de 1958 e 1962 ainda na memória, os militares não aceitaram o fracasso e aumentaram sua influência sobre a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e na comissão técnica.
Ditadura Militar e a violência no Brasil que vemos hoje
Ditadura e a Copa de 1970
Os militares queriam que a vitória na Copa de 1970 fosse vista como uma conquista do governo, e não apenas dos jogadores. Portanto, qualquer manifestação contrária ao regime era reprimida, como o caso do jogador Tostão. Até mesmo decisões sobre a escalação passaram a ser influenciadas, como aconteceu na demissão do técnico João Saldanha, que discutiremos em seguida.
Os militares também usaram campanhas publicitárias para exaltar o nacionalismo, com destaque para a música ‘Pra Frente Brasil’. A imagem do presidente Médici levantando a taça se tornou um símbolo. Ele usava o futebol para promover sua própria imagem, frequentemente sendo visto em estádios, o que lhe dava uma aparência de popularidade, enquanto por trás agia como um dos ditadores mais cruéis da história do Brasil.
Criação de campeonatos
Outra grande interferência foi na criação do Campeonato Brasileiro em 1971, substituindo torneios anteriores como a Taça Roberto Gomes Pedrosa e a Taça Brasil. O governo enxergava o futebol como uma forma de alcançar mais apoiadores, utilizando o campeonato como uma ferramenta de integração nacional. Isso resultou em uma expansão acelerada do número de clubes participantes, atendendo ao pedido do presidente da CBD, João Havelange, aliado dos militares.
O Campeonato Brasileiro surgiu com 20 equipes em 1971, mas em cinco anos já contava com 54 participantes, abrangendo todos os estados do país. Esse processo ficou famoso pelo lema: ‘Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional’. Arena era o partido dos militares.
Com o fim do ‘milagre econômico’ no final dos anos 1970 e o aumento da miséria, os militares continuaram usando o futebol como resposta. Em 1979, o campeonato inchou para 94 participantes. Durante esse período, a ditadura também investiu na construção de 52 estádios, muitas vezes obras faraônicas que se tornaram verdadeiros ‘elefantes brancos’. Além disso, estádios foram usados como locais de tortura e prisão de opositores, como o Estádio Caio Martins em Niterói, apelidado de ‘campo de concentração’.
Resistência de jogadores
Apesar de toda essa manipulação, houve resistência dentro do futebol. A Democracia Corinthiana, liderada por jogadores como Casagrande, Wladimir e Sócrates, defendia mais abertura política e democratização no clube e no país. Sócrates, em especial, era uma figura frequente em atos pelo fim da ditadura. Outro exemplo foi Reinaldo, do Atlético Mineiro, que celebrava seus gols com os punhos erguidos, em referência ao movimento dos Panteras Negras.
Entretanto, nem todos conseguiram resistir. Tostão, crítico do regime, recebeu ameaças e foi forçado a se calar para manter sua carreira. O irmão de Zico foi preso e torturado no DOPS por seu envolvimento no Plano Nacional de Alfabetização de Paulo Freire.
Com a crise econômica dos anos 1980, os militares perderam a capacidade de intervir e financiar o futebol, levando à redução do tamanho do Campeonato Brasileiro. Em paralelo, as manifestações por eleições diretas se intensificaram, ganhando força nas arquibancadas, como na final da Taça Guanabara de 1984 entre Flamengo e Fluminense. Enquanto alguns jogadores do Fluminense apoiavam o candidato militar Maluf, o presidente do Flamengo, Jorge Helal, apoiava Tancredo Neves, e as torcidas se uniram em prol da democracia.
Embora o movimento por eleições diretas tenha falhado, Tancredo Neves venceu Maluf indiretamente, e o Brasil teve seu primeiro presidente civil em 1985, ainda que fosse José Sarney, devido à morte de Tancredo.